7.2.09

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26.11.08

fromJoana Mateus toManuela São Simão
date19 November 2008 16:34subjectTell

Ai tenho que ir aspirar a casa...

Mas não consigo deixar de pensar, e talvez seja melhor escrever-te, como disseste, para partilhar ideias:
disseste que ouviste um som que parecia de despejar objectos — a cacofonia que coloquei no início da sequênica sonora é assim, mesmo, um despejo assustador. mas, depois, cada som de material surje isoladamente e acentua-se mais o seu caracter individual e singular, distinto dos outros e, de certo modo, frágil.

Como é que imaginas os 12 minutos que vamos passar em palco? como é que imaginas o que vai acontecer, o som e as imagens que vamos sugerir?

O que desejas deste projecto?

Para mim, os sons representam estados de alma, penso que é isso. É com isso que estou a lidar. Cada som é um exemplo de um grito, no sentido em que é um som produzido involuntáriamente, quase. já te aconteceu ficares com tanto medo que não consegues falar? Ou ficar com tanto medo que não consegues evitar bater os dentes?

Para mim, estes sons representam um prazer, o de poder manusear vários materiais, que estão quase em bruto, provocando a sua natureza de matéria chocando uns contra os outros, chocalhando-os para que se façam ouvir. São objectos que esperam fazer parte de uma estrutura qualquer, e vão ser o seu suporte.

Por vezes, devido ao cansaço, tenho uma impressão muito forte, situada entre a boca e o cérebro, de que uma matéria moldavel, ao mesmo tempo suave e agreste, se enrola e roda e roda e roda... até à exaustão e à loucura. interrompo-a fugindo dela, distraindo-me e desviando a atenção para uma actividade qualquer.

As frases que vamos dizer: também são o nnosso suporte, a nossa espinha dorsal. espero dizê-las como manusei os materiais: provocando a matéria de que somos feitos, as nossas sensações mais brutas, no sentido em que se manifestam de forma tão subtil... como é que sensações tão intensas na nossa alma podem passar despercebidas a quem olha para nós, nesse momento? 'Tens frio? — Não, tenho medo.'

Tenho que ir aspirar a casa...

fromManuela São Simão toJoana Mateus
date19 November 2008 17:36subjectRe: Tellmailed-bygmail.com


Estas frases e pensamentos/sentimentos que me escreves são muito fortes!
Há aqui nas tuas palavras uma intenção forte e decisiva para este projecto!
Temos de assumir isso o melhor que conseguirmos! Gostei muito de te ouvir/ler.

De repente os sons dos objectos manuseados mas mais que isso, despejados
começam a assumir-se com essa relação fantástica e espontânea que fizeste com
o despejar das vozes das pessoas, o "despejar" das próprias pessoas através das
cacofonias que temos como som-base para este nosso projecto.

Aquilo que assustou no despejar dos objectos e da "tralha revolvida" no meio de caixas de
materiais que encontraste no supermercado de bricolage, acaba por ser aquilo que mais assusta também no despejar das vozes que gravaste na "loja de serviços burocráticos".


Oferecem ambos uma textura sonora complexa, cheia de pequenos ruídos mas que nos sugerem o vasculhar/despejar/manusear de toda a tralha-informação com a qual temos de lidar no dia a dia.

Como se fossemos obrigados sempre, todos os dias e a toda a hora, a levar com informação ruidosa, com pessoas e coisas que não queremos nem precisamos mas estão neste "pacote social".

Agrada-me a possibilidade de, sendo às escuras, dar uma ênfase à "documentação sonora" desta "tralha visual" e tb sonora que nos persegue diariamente. Eu estive a pensar e o facto das cacofonias serem gravadas num espaço com o nome de "Loja do Cidadão" é extremamente irónico e metafórico...
Uma loja de serviços, que serve as pessoas, com pessoas. São consumidos serviços de pessoas por outras pessoas, aqui designadas de cidadãos. Ao contrário da loja de materiais que vende os objectos e materiais em bruto e em série.

Uma das coisas que não me sai da cabeça ha algum tempo com esta ideia do Handle With Love é precisamente isso, associar esta ideia de pessoa-objecto, a pessoa enquanto objecto de consumo, tão passível de ser consumida como um outro produto qq em lojas e supermercados.

Mas tenho tb uma intenção de não apenas referir esta situação mas conotá-la com um certo sentido crítico pela negativa, quase que denunciando uma situação que poderia e deveria ser diferente.
Há nas frases do handle with love/care/hope... uma vontade de dar a palavra, dizer porque tem de ser dito e só dito pode ter alguma força. Mas ser dito num certo silêncio. Uma palavra depois de um suspiro, depois de um inspirar cansado de tanta tralha e barulhos...no entanto uma voz decidida quase em jeito de manifesto.

Nunca usei antes a voz nos meus projectos, tirando aquela vez no workshop que te falei.
Foi aí que surgiu esta necessidade e, embora tb tenha um certo receio e insegurança, este lado do dizer/falar é uma forma que privilegio na comunicação. Por vezes (muitas) sinto que falo demasiado até e dou grandes voltas para dizer o essencial. (...)

Neste projecto, por exemplo, agrada-me o facto de ter encontrado uma frase que entendo como uma síntese de varias coisas que tenho procurado no meu trabalho plástico. Por isso me sinto com muita vontade de a usar. Imagino-a surgindo no meio de um silencio repentino, pelo contraste com a textura sonora dos objectos/vozes e despejares cacofónicos.